Vitória: como a vitória sobre o nazismo se transformou em uma festa do totalitarismo

7 maio 2021, 05:00 | Dzmitry Wasserman*, Sydsvenskan
Source: Sydsvenskan

Todos os anos, em 8 ou 9 de maio, a maioria dos países europeus comemora o aniversário do fim da guerra na Europa e o início da tão esperada paz. Ao mesmo tempo, Belarus e a Rússia comemoram o Dia da Vitória. A diferença pode parecer pequena à primeira vista, mas, na realidade, é muito maior do que parece. Se ouvir a propaganda de Lukashenka e Putin, em 1945 não houve paz na Europa, mas uma trégua, portanto, Belarus e a Rússia ainda continuam a lutar contra os herdeiros de Hitler, para o papel dos quais, novos países ou grupos são nomeados o tempo todo, dependendo da situação política.

Ainda nos tempos soviéticos, foi criada uma teoria segundo a qual qualquer desejo dos países europeus de independência nacional poderia ser associado ao nazismo. Stalin prometeu aos povos da Europa um caldeirão comunista: todos sob a bandeira vermelha, todos à URSS, que estava “unida para sempre pela Grande Rússia” (palavras do hino soviético).

O cenário da expansão europeia de Hitler parecia diferente: os povos europeus se tornariam vassalos da Alemanha, embora preservassem seus símbolos nacionais e identidade nacional. Como defensor da “pureza racial”, Hitler não queria misturar povos escravizados. 

A propaganda soviética criou uma falsa dualidade entre essas duas alternativas: todos que não queriam entrar no caldeirão soviético eram nacionalistas (como Hitler), queriam usar símbolos nacionais (como sob a ocupação nazista), eram inimigos da URSS e, portanto, aliados dos nazistas.

É irônico que a retórica soviética tenha usado o termo “fascistas” para se referir aos nazistas, porque Stalin, que flertou com os sentimentos nacionais dos povos europeus após o ataque da Alemanha à URSS, declarou que Hitler não era um nacionalista, pois era um imperialista . Após a guerra, Hitler foi novamente declarado nacionalista, mas o termo “fascismo” já havia se enraizado naquela época.

A depender da situação política, ora membros do movimento clandestino anti-soviético nos países ocupados, ora lutadores pela democracia na Europa Oriental ou os governos dos países da Europa Ocidental eram declarados “fascistas” (ou “nazistas”). No final dos anos 1980 e início dos 1990, a retórica antifascista foi usada contra o movimento de independência dos países Bálticos. Após a derrubada do regime pró-russo na Ucrânia, foram os ucranianos que se tornaram herdeiros dos fascistas, na propaganda russa.

Em Belarus, o regime de Lukashenka declarou “fascista” a bandeira nacional branca vermelha e branca, que era a bandeira oficial do Estado antes do estabelecimento da ditadura e se tornou símbolo do movimento democrático. Isso não foi impedido nem mesmo pelo fato de que o criador dessa bandeira, Klaudyiush Duj-Dusheuski, era um prisioneiro do campo de concentração nazista em Kaunas por se recusar a cooperar com os nazistas e por esconder judeus. Na retórica da propaganda de Lukashenka, a oposição democrática exigindo eleições livres “está marchando sob a bandeira nazista”. Além disso, com a deterioração das relações com a Polônia, os poloneses foram declarados herdeiros dos nazistas. Agora, os líderes das comunidades polonesas de Belarus estão presos por “justificar o genocídio do povo belarusso”, que consiste no fato de terem organizado uma exposição dedicada às atividades clandestinas anticomunistas pós-guerra

Enquanto a propaganda continua a afirmar que os nazistas são todos nacionalistas que são contra a URSS, há cada vez mais vozes em Belarus e na Rússia de que Hitler, antes de atacar a URSS, não era um governante tão ruim. Ainda no início de sua carreira política, o ditador de Belarus, Lukashenka, disse:

Não eram só coisas ruins que foram associadas na Alemanha ao famoso Adolf Hitler. A ordem alemã vem se formando há séculos, sob Hitler, essa formação atingiu o seu ponto mais alto. É isso que corresponde ao nosso entendimento da república presidencialista e do papel do presidente nela.

Em fevereiro deste ano, no canal estatal belarusso, STV, (onde, é claro, não se pode pronunciar uma palavra sem a aprovação do regime), o blogueiro Aliaksandr Holikau falou sobre as atrocidades dos nazistas e as execuções de civis e chegou à seguinte conclusão: “Eu sou um defensor da força impopular, e não democrática, de manter a ordem… Somente a disciplina dura nos permitirá criar nossa própria Mercedes alemã [metáfora de produto de alta qualidade – Trad.] em Belarus… Vamos criar nossa Alemanha com seus padrões.”

Na Rússia, um dos principais propagandistas do Kremlin, Vladimir Soloviov, fez um filme panegírico sobre Benito Mussolini, que foi exibido no canal de TV estatal Rússia. Em uma resenha do filme, Igor Molotov, funcionário de outro canal de televisão estatal, Russia Today, escreveu: “Mussolini foi um homem brilhante, ele deu ao mundo um terceiro caminho, que, em parte, a Rússia está percorrendo hoje.” E em fevereiro deste ano, na televisão estatal, o mesmo Soloviov elogiou a coragem de Adolf Hitler e imediatamente declarou o líder da oposição preso Aleksei Navalnyi um nazista, covarde e indigno de seu professor. 

A cada ano, os desfiles da vitória em 9 de maio, em Minsk e Moscou, tornam-se mais magníficos, a retórica “antifascista” torna-se mais histérica e as leis contra a “reabilitação do nazismo” são cada vez mais repressivas. Na Rússia, com frequência cada vez maior notam-se adesivos como “Rumo a Berlim” e “1941–1945: podemos repetir”, nos carros. 

Os regimes ditatoriais preparam aqueles que ainda são suscetíveis de propaganda para a guerra com aqueles que eles declararam herdeiros dos fascistas: democratas, oposicionistas e vizinhos recalcitrantes.


*Dzmitry Wasserman é voluntário na Embaixada Popular de Belarus na Suécia. A rede de Embaixadas Populares de Belarus foi criada pela diáspora belarussa para proteger os interesses do povo belarusso depois que a ditadura de Lukashenka perdeu sua legitimidade devido às eleições presidenciais grosseiramente fraudadas em 9 de agosto de 2020.